segunda-feira, 30 de julho de 2007

Toda beleza será castigada



"Passamos o dia girando sob Paris pois o metrô é mais veloz e não se pode perder tempo. A belle ville está em cima, praticamente desconhecida."


Escrevi uma crônica para o jornal O Povo sobre um dia na VII Reunião de Antropologia do Mercosul. Mas foi na tarde anterior à narrada naquele texto que aconteceu a apresentação mais emocionante que pude ver naquele Grupo de Trabalho, entre outros trabalhos sobre moda, corpo e aparências na construção de identidades sociais na contemporaneidade.

Como pesquisa de campo para sua tese de doutorado, pela Universidade Estadual do Ceará, Cleide Amorim passou os anos de 2001 e 2002 acompanhando a vida das modelos brasileiras que vão tentar carreira internacional em Paris. Elas têm três meses para mostrar ao mercado quem são e conseguir trabalho. É quando expira o visto de turista. São belas, estão com 16 anos e muito longe de casa.

Já chegam lá devendo: a passagem, o novo book e os composites (cartões de visita com fotos, medidas e contato), o aluguel do apartamento que dividem com outras modelos (nunca brasileiras, para que aprendam logo a se comunicar em inglês) , o adiantamento semanal para comer, comprar tíquetes de metrô, colocar crédito no celular e comprar roupas dignas de uma modelo internacional.

Os resultados dos concursos da cidadezinha natal até chegar a uma etapa nacional, nada disso vale por lá. "Moda é tempo presente." Mas as jovens não conseguem - nem podem - esquecer de sua família no Brasil. É a família que financia a sua trajetória até ali e que vai insistir que elas sigam em busca do sonho e das benesses do sonho realizado: fama, dinheiro, glamour. "Eu nunca tive a chance que você tá tendo de melhorar de vida." Outra dívida a pagar.

Gisele Bündchen elevou o valor das modelos brasileiras, mas isso não significa que eram o único tipo em voga naquele período. Cleide conta que as "russas", originárias dos países que formavam a ex-União Soviética, eram suas maiores rivais e que competiam ferozmente pelo mercado de trabalho. As "russas" fariam de tudo para não voltar à "Rússia". As brasileiras, nem tanto. As brasileiras acham o Brasil melhor - a família, os amigos, a comida, o clima.

Para os agentes, as brasileiras eram difíceis pois faziam corpo mole na hora de aprender o inglês, por exemplo. Até porque conseguiam muita coisa com um simples sorriso. Mas também eram reconhecidas por agüentarem trabalho duro. Ficar de pé muitas horas sem reclamar, por exemplo. Eram mais dóceis, mais afáveis que as européias. E em frente às câmeras, tinham que saber decodificar a estranha solicitação: "seja brasileira". E atendê-la.

"As meninas lembram que além de seduzir é preciso ter muita paciência. Esperar que seu nome seja chamado. Reconhecer seu nome no sotaque da recepcionista. Dirigir-se à sala ao lado onde estão os clientes. Entrar sorrindo, dizer bonjour e não dizer mais nada. Entregar o book e os composites aos clientes. Atender aos comandos: walk, smile, stop. Manter o sorriso. Não se ressentir ao ver o manuseio desinteressado do seu book, sua carteira de identidade de modelo. Controlar-se sempre. Pegar o book de volta. Dizer merci e au revoir ao sair. Esperar pacientemente que os clientes tenham percebido a sua diferença e que eles liguem para a agência. É preciso também correr, pegar o metrô, chegar ao próximo casting, talvez ele se transforme em job, quem sabe até pode ser o job, o job mágico, aquele que vai revelá-la ao mundo, que vai subtrair todos os castings humilhantes, que vai torná-la uma escolhida a priori."

Este é um trecho do artigo de Cleide Maria Amorim dos Santos, "Tornar-se Modelo Internacional". Ela trata do assunto de forma emotiva, mas muito pouco deslumbrada. Talvez por vir de pesquisas anteriores na área da exploração sexual infantil em Fortaleza, que lhe renderam uma monografia de graduação e uma dissertação de mestrado.

Explica a guinada no "tema" chamando atenção para o fato de que os grupos estudados têm características semelhantes. São meninas dos 12 aos 17 anos (aos 18 já são consideradas "velhas"), que lidam com a sedução e cujos sonhos de ascenção passam pelo Exterior (uma carreira internacional, o casamento com o estrangeiro).

Além disso, deixam de estudar cedo por conta do trabalho. "Sem o aporte da educação formal, elas aprendem a valorizar o conhecimento empírico, a tentativa e erro do cotidiano, a observação do jeito do outro, a ação mimética". São carreiras curtas e decisivas na vida dessas meninas, que estão aí para atender a "pedidos".

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Apresentando Producta


Producta é fruto da ação e reflexão esquizofrênica de uma senhorita consciente de si e do mundo contemporâneo e de si no mundo contemporâneo. Viva e atuante, Producta é produto, é adúltera e artista quase sempre. Adora se imiscuir na alma alheia.
Começou com o negócio de música no ano de 2002. Aviltou a sociedade com seu primeiro cd batizado: Solteira Producta. Em 2005 lançou o segundo cd que chama-se: Querem acabar comigo, Roberto. Frutos da mesma idéia e reflexão: “Trilogia Producta, drama de erros e acertos de uma senhorita”. Um terceiro cd está por vir para completar a cabalística produção.
A escolha do repertório e as letras das músicas passam pelos dramas cotidianos, amores infrutíferos e reafirmações gloriosas das forças espetaculares de Producta. Canções com arranjos tirados dos sacos de melodias de infâncias vividas em Fortaleza, misturadas com os barulhos ensurdecedores de sua imaginação berrante e cosmopolita.
– “Sou infantil, ela também. Ela sou eu, aliás nós somos ela, visto que me sinto com muitas personalidades, é a minha doença. Gosto de imaginar a idéia de uma pessoa ter sua própria moralidade. Errar, acertar e não ter problemas com as oscilações. A Producta erra e eu também. Ela gosta de sexo. Ela é criticada e eu também. ...Producta é a cantora, não eu. Muitas cantoras podem estar dentro dela, mas ela não é cópia de ninguém. A música para mim é um meio, não um fim”.
Producta é refinada, é uma mulher jovem, artista, cearense, reconhecida em todo país, nos círculos restritos de pessoas sofisticadas do meio artístico independente. Producta é bem vinda e já é personalidade sempre presente na música, na moda, na imprensa blasé e em badaladas festas e encontros sociais. Desempenha nesses momentos seu papel de musa inspiradora, vedete e observadora arguta do burburinho em sua volta.
– “Porque sou ‘olhuda’ e atenciosa, observo os terrenos, os olhares alheios, medida de prevenção até pra balancear minhas ‘estratégias’de sempre falar o que penso, às vezes sem medir o ouvinte.”
Criou e apresenta em locais públicos a performance “mulher tombada”. Em vernissage, exposição, show, shopping, fila de cinema, no meio da rua, na passarela e na vida cotidiana representa o excêntrico papel de monumento vivo. Sente a gravidade lhe pesar mais sobre o corpo que todos os outros. Uma verdadeira mulher tombada, rente ao chão, no rés do início das pessoas verticais.
– "Mulher-tombada foi o conceito que criei para minha personagem Producta, porque acho que as mulheres deveriam se sentir mesmo um patrimônio, e quando estão vivas. Tombadas porque são jovens, fantásticas. Tombadas porque são mulheres. Para mim, muitas mulheres merecem este título: Rita Lee, Chanel, Shirley Temple, Zelda Fitzgerald e muuuitas outras".
Travar batalha intelectual com Producta em seu tapete de esgrima é arriscar-se a ficar tonto. É inglória a aventura da tentativa de explicar suas convicções. Suas inflexões e percepções sobre a vida, apresentadas em suas músicas, são respostas, por vezes desconcertantes, a questões simples de cotidiano.
–“Não canso, corro, caio, avanço, digo coisas disparatadas e daí? Vão me matar? Neutralidade? Non, ninguém tem o escopo de comer minha seiva bruta de ódio, e amor sargitariano. Sou bem leve, leve...”

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Foto do Blog do Noise

Abram, pelo amor de Deus!


A Iracema turística que não queremos

Frequentei pouco Noise e Hey Ho. Deveria ter frequentado mais a esquina mais independente e underground de Fortaleza. É absurdo o argumento para fechar as casas que sobreviviam de seu público escasso e em busca de alternativas em uma cidade cheia de forrós entupidos de gente.

O poder público municipal deve ser convocado a entender o que está acontecendo na cidade. Com o fechamento das duas casas Fortaleza perde muito!

Essa é muito mais uma questão cultural que policial ou sanitária. É dever dos que fazem a gestão cultural manifestarem alguma opinião e esboçarem alguma reação.

No entorno do Dragão do Mar existem mais de trinta espaços de artistas que escolheram a Praia de Iracema como bairro para instalar seus ateliers, espaços de criação, comercialização ou simplesmente moradia. A Praia de Iracema significa algo para essas pessoas e com essas pessoas. Sobreviver ali é uma batalha de resistência travada cotidianamente. Acompanhei de perto a angústia de gente que milita pela requalificação da Praia de Iracema. Ações esporádicas e sem maior impacto foram o grande feito até então do poder público que ainda parece insensível à questão.

Não será fechando casas como o Hey Ho e Noise que a Praia de Iracema conseguirá ser o que todos queremos que ela seja. A prefeitura anterior concedeu alvarás de funcionamento a empreendimentos monstruosos que ainda sobrevivem na Iracema macaqueada para turista ver. Acredito que para recuperar alguma coisa digna do bairro boêmio o poder público tem que pensar a Iracema menos sobre a ótica do turismo e mais sobre a perspectiva cultural. Desenvolvendo-a culturalmente Iracema também será turística na melhor e mais saudável perspectiva.

A idéia de Felipe é muito boa, deveria ser considerada seriamente. A alguns anos, sob a perspectiva de atendimento do Sebrae, tentei esboçar um projeto para a Praia de Iracema considerando-a um arranjo produtivo local de cultura. Consideraríamos no projeto todos os pequenos empreendimentos culturais e o Dragão do Mar como âncora. Não consegui levar adiante essa idéia. Me coloco a disposição para continuar pensando essa alternativa que poderia trazer investimentos de órgãos estaduais e federais para um projeto assim.

Como embaixador de Fortaleza no mei do mundo, me preocupa seriamente a questão.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

O Noise3D foi fechado



Durante algum tempo, fui "sócia". Quinta, sexta, sábado - estávamos lá. A ponto de enjoar e desaparecer por algumas semanas, até sentirmos falta daquilo de novo. Lugares como aquele cruzamento são um campo fértil de que necessitamos para conhecer pessoas e trocar idéias. Até mesmo quando essas pessoas não se falam. Existe um significado em cada figurino e naquela dança de gestos e passos e corridinhas em várias direções, um sentido que emana até mesmo das figuras que pouco se mexem.

Quem veio hoje, quem não veio. O entusiasmo, a falta dele. Muitas de nossas referências estampadas nas camisetas ou ecoando nos altofalantes. Narizes torcidos quando não gostamos de algo - e são muitas coisas! Igualmente estimulantes. Um encontro de opiniões. Um desenho muito específico e muito pulsante - uma tatuagem no calcanhar da cidade. A celebração da amizade e da vida. Rever os novos e os velhos amigos, ao som daquela música, naquele ambiente imersivo (3D!!). Perder o fôlego de êxtase - com ou sem longnecks na cuca (dinheiro contado no bolso!).

De lugares assim, surge ALGO. Que talvez entre para a História da cidade. Ou até faça a cidade entrar para a História.

Muitos comentários se somaram à matéria que saiu no jornal, sobre o fechamento. Não esqueçam de ler o que os leitores postaram logo abaixo do texto da reportagem.

Algumas pessoas estão se manisfestando. Felipe Gurgel, baixista e agora assessor de imprensa da Secult, sugeriu um edital para as casas. Um edital interessante seria o de mostras permanentes de música, especificamente para os estabelecimentos como bares e restaurantes, independente do estilo, que tenham infra-estrutura para receber apresentações musicais. Assim, as casas ou os produtores ligados a essas casas poderiam propor programações semestrais consistentes, e o recurso estatal viria ajudar a pagar cachês (para artistas locais e de outros lugares) e passagens e hospedagens (para artistas de fora), por exemplo.

Isso desobrigaria as casas de trazerem só atrações conhecidas e que vão dar retorno de bilheteria. Um suporte para o intercâmbio e a circulação de shows fora do mercadão (quase todo mundo!!). E as casas também poderiam trabalhar melhor os cronogramas: divulgação, negociação com artistas, passagens mais baratas, outras parcerias. A grana do estado ou município não iria para bancar o estabelecimento de ninguém, e sim para dar suporte a uma programação.

A casa ganha com os serviços de bar, cozinha, sinuca, o que for. Esses serviços devem ser bons e o ambiente deve ser interessante. O Sebrae também pode ajudar na parte mais técnica - treinamento de pessoal, legislação, segmentação de mercado. Vale a pena pesquisar por aí, em revistas descoladas, na Internet e até perguntando para a galera que freqüenta. Todo mundo tem uma boa idéia para dar e está super interessado em opinar. Veja a felicidade na cara de quem teve uma sugestão aceita!

Aceitem essa: escolham entre o público da casa estudantes de arquitetura, novos designers e artistas plásticos, desenhistas, jornalistas, estilistas, e peçam que eles façam o projeto interno e externo da pequena casa de shows com a qual eles sonham, entre outras idéias para manter a coisa sempre com novidades. Ofereçam em troca uma carteira de sócio VIP vitalício, com direito a entrar sempre na faixa com acompanhante, e sempre com a primeira cerveja ou drink da noite de graça. E divulguem a autoria da parada!

Dado (dono do Noise3D) e Tanísio, baterista de outros empreendimentos sonoros da capital, também estão puxando uma série de reuniões com pessoas ligadas à Prefeitura. Fim de semana passado, estiveram com o Acrísio Sena, presidente do IMPARH - Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos Humanos. Foi criada uma comunidade no Orkut (Fortaleza Independente) e estão tirando comissões para tocar os encaminhamentos. Vai rolar outra reunião próximo sábado, dia 21 de julho, às 14h30, novamente no IMPARH. É aberta. Vão e nos contem como foi. ;]

quarta-feira, 18 de julho de 2007

O avião e eu

Estava em Sampa ontem pela manhã. Sai de lá por Congonhas. A pista estava molhada.
Escapei fedendo?

Tem mais depois

Continuarei postando o artigo ao longo do tempo e dos comentários feitos para não enjoar ninguém com muito texto.

Karine Alexandrino e a saga de Producta, uma adúltera

Drama de erros e acertos de uma senhorita na contemporaneidade

“a luz que falta nos homens
é a sombra dentro de mim”
(Balada de Perdicta - Karine Alexandrino)



Estava ela caída em meio aos pés dos que passavam despreocupadamente e que, de repente, paravam para vê-la, percebê-la. A mulher tombada, horizontal, olhando o mundo pelo ângulo menos glorioso. Intencionalmente jogada ao chão, rebaixada a sua condição de mulher moderna ou pós-moderna ou trans-moderna. Provocando sensações nos que estão em sua volta.
Producta, alta e forte, elegantemente desajeitada é derivada do gasto latim producto. Uma criação derivada de conceitos e conteúdos de tempos arcaicos transvalorados. Adúltera por convicção, Producta é considerada. Capa de jornal, nota de revista e matéria de página inteira. Segundo alguns, sua vocação é provocar. Ela diz ser “simpleszinha”. Alter ego de Karine Alexandrino, Producta é artista: cantora, apresentadora, atriz, performer, fotógrafa, colunista social, produtora e agitadora cultural. Considerada a diva anti-diva da nova música brasileira é querida por muitos, quase todos.
Aqui se quer deixar antever por uma fresta um pedacinho, um início, da saga de Producta, personagem de si mesma. Mulher tombada por convicção em busca do reconhecimento público e das instituições. Uma campanha para tombar o seu matrimônio material e imaterial deve ser iniciada em breve junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Juntamente com o ofício das Paneleiras de Goiabeiras, o Samba de Roda no Recôncavo Baiano, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré, o Ofício das Baianas de Acarajé, a Viola-de-cocho, o Jongo e a Arte Kusiwa dos Índios Wajãpi, Producta será solenemente inscrita no Livro de Registros das Formas de Expressão. Será reverenciada como um dos mais importantes patrimônios de nosso país.

Karine e Eu

Escrevi um artigo sobre a obra de Karine Alexandrino durante uma especialização que fiz na FA7. Aproveito então o blog para disponibilizar este escrito.

Compartilhamos de um sentimento comum de saudade de Fortaleza

Thais está em Porto Alegre e eu diametralmente longe me encontro em Belém. Saimos recentemente de Fortaleza. Nos últimos quatro anos trabalhamos juntos em coisas que nos ajudaram ser quem somos. Não sei o que pensa exatamente Thais sobre nossa amizade mas para mim foi das coisas mais importantes que construi em Fortaleza. Como um cearense que sai e retorna a sua terra fiz esse movimento a vida toda. Não tenho em Fortaleza os vinculos mais fortes de amizade que são aqueles que construimos na universidade e duram para o resto de nossas vidas. Os tenho em Belém, onde me formei. Por isso prezo enormemente as amizades sólidas que fiz nos últimos quatro anos em Fortaleza.
Falando com Thais sobre isso e sobre nossa saudade de Fortaleza pensei que poderíamos fazer um blog que pudesse servir de ponte afetiva com a nossa cidade e amigos.
Eis nosso blog.